samedi 28 septembre 2019

Pequenas reflexões sobre João, a bossa e o samba



 Joao Gilberto (1929-2019)

A morte de um símbolo musical brasileiro como João Gilberto, há algumas semanas, não teve qualquer repercussão, como se poderia imaginar. 
Isso nos leva a pensar sobre esses dois estilos, o Bossa Nova e o Samba, associados ao Rio de Janeiro, e perguntar por que um dos dois estilos mantém uma boa saúde (e felizmente!), enquanto o outro aparece definitivamente no museu musical brasileiro, sob uma camada de pó. E perguntar-se por que, paradoxalmente, fora do Brasil, a Bossa ultrapassa significativamente o samba. 

1. A Bossa nova no estrangeiro 

Chet  Baker (1928-1988)


- Visto do exterior, o Bossa constrói-se sobre fundações hamónicas americanas, o jazz, mesmo que o seu ritmo de base seja o samba, de origem africana. Em 1964, a bossa ganhou um estatuto internacional nos Estados Unidos, não só graças a Stan Getz, Astrud Gilberto, mas também a outros grandes nomes como Gerry Mulligan, Bill Evans, cantores como Ella Fitgerald, Chet Baker e, claro, Frank Sinatra. Com a ajuda de grandes nomes brasileiros com Jobim, João Gilberto, ou Sergio Mendes. O formato «canção» das corcundas, -voltaremos a ele-, assimilaremos o estilo com mais facilidade. - A recuperação da bossa pelo mundo comercial tornou-o comum, e seria interessante estudar o desenvolvimento de cada um, num ambiente bossa, cool, de volume pouco perturbador, o que lhe valeu o qualificativo de música de elevador. Um clima tudo menos estressante, em uma América em plena ascensão econômica. Você está relaxado, então você está consumindo. 
Musicalmente, as harmonias do estilo são, no entanto, muito mais complexas do que as do samba. 

- Os americanos, sempre imaginativos comercialmente, têm um tempo qualificado, nos anos 60, tudo e qualquer coisa de «bossa nova», do frigorífico à moda, até criar uma dança inexistente no Brasil. 

 - Desde o final dos anos 60, numerosos movimentos musicais assimilaram a bossa e continuam a fazê-lo. Mesmo a Inglaterra, foi conquistada pela febre e grupos como o The Style Council, Everything but the Girl, Sade ou Matt Bianco, adotaram sua estética musical. 
 -Outros ambientes na moda, desde os anos 80, como a música Lounge, se casavam perfeitamente com esta busca de clima (mais do que musical) 

 -O mistério permanece, mas o mercado japonês é enorme, e muitos artistas brasileiros corcundas vivem uma carreira independente de sua pátria. 

 Sade Adu, bossa nada feia...

-Os DJ's ingleses, que são também a causa do regresso do vinil, redescobriram pela sua curiosidade artistas como Marcos Valle, Joyce Moreno e outros, dando-lhes uma segunda vida. 
- A economia de médio (voz/guitarra), facilitou a integração do estilo nos bares, nos restaurantes, mas mais uma vez, mais como músico de ambiente 

 -Apesar de tudo, justiça seja feita, algumas canções como «A Garota de Ipanema», «Samba do verão», Desafinado», «Maria Ninguém”, e algumas outras foram clássicos musicais autênticos. -Outros fatores provavelmente ainda têm sido a base do predomínio da bossa…. Você podem comentar a vontade… 

2. No Brasil, por razões muito diferentes, o samba raramente perdeu energia. E é fácil de explicar. 
 - Sim, o ritmo da corcunda é o ritmo do samba, mas as suas origens são muito diferentes. Da Africa, a «semba», desceu de Salvador da Bahia para o Rio, no final do século XIX, levada em viagem pelas classes mais pobres, até aos Morros cariocas. O samba é, portanto, um estilo popular e secular. 

 Bossa no apartamento: aqui com Roberto Menescal

-A bossa nova, pelo contrário, nascida da criatividade de alguns músicos criativos, criou-se, como se sabe, nos apartamentos de Copacabana, por volta de 1958, e era interpretada de forma intimista por essa razão. 
 - Como disse antes, a corcunda é uma música de canções. Jovens de classe média alta, enquanto as rodas de samba cantavam em pleno pulmão, ao ar livre, cerveja à moda, e davam-lhes muitas vezes um «timing» improvisado. 

- Isso não significa que o musico de samba seja um músico menos talentoso, como prova o choro, estilo bastante instrumental que requer grande destreza. Mesmo se grandes sambistas (que vinham às vezes do choro), como Cartola (foto), Nelson Cavaquinho ou Paulinho da Viola criaram entre as mais belas páginas do samba, esta é uma variante não exportada, e a visão do «gringo» se restringe a um ritmo frenético hipnótico, que caracterizam os sambas-gravados, ou seja, os sambas de concursos de carnaval, percebida pelos estrangeiros como pobre musicalmente. São Paulo também conheceu grandes autores de sambas de clássicos pouco conhecidos fora do Brasil. - Mais uma vez, o mistério permanece com os japoneses que possuem muitas escolas de sambas. - Considera-se a idade de ouro do samba entre 1920 e 1930, por vezes conhecido sob a forma de «marchinha», cujos textos muitas vezes humorísticos ou mesmo marotos tinham dificuldade em atravessar a fronteira por causa da língua. As primeiras escolas de samba nascem nesta época. - Para ser popular e festivo, todos podem improvisar músicos e participar de um «pagode». 



Um tambor, e é samba até não ter horas... 

 Um barril de metal serve, em suma, e é difícil imaginar um grupo de músicos dispostos a celebrar cantando corcundas novas toda a noite, cantando “Corcovado", tal Candeia, até perder a voz... 
 - Depois de algum tempo artistas de bossa nova, sentiram uma vontade de fazer evoluir o género. Primeiro misturando-se com os sambistas das favelas (como Nara Leão); depois politizando os textos no início da ditadura de 1964. Era o fim do amor, dos sorrisos, das flores e do som da indolência. 

 - Finalmente, enquanto os pilares da corcunda não encontram seguidores, as ondas de novas gerações do samba sucedem-se com talento. Além disso, quase cada estado possui as suas características relativas aos elementos do samba (ritmos, harmonias, instrumentos), enquanto a bossa continua a ser um estilo estático. Conclusão: estas observações fazem sentido, mas por que razão, ao contrário do jazz, a corcunda manteve-se hesitante. Não há dúvida de que historiadores como Cravo Albin, Nelson Motta, Rui Castro, Sergio Cabral e outros têm pontos de vista a expor, e aí não me coloco como jornalista, mas como um curioso da história da música. O facto de o Brasil ser um país de festa parece-me muito fraca resposta num país que possui um número de virtuoses de música popular para além da média, e não estou satisfeito com a eterna dicotomia «música erudita» e «música festiva». Quanta luz, quanta alegria, quanto ritmo, não se encontra em Egberto Gismonti, Hamilton de Holanda ou Hermeto Pascoal….

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